Arquitetura da Oceania: Tradições Milenares, Colonialismo e Sustentabilidade Contemporânea
A Oceania, vasta região composta por milhares de ilhas distribuídas pelo Oceano Pacífico, engloba três grandes áreas culturais: Melanésia, Micronésia e Polinésia, além das grandes nações continentais como Austrália e Nova Zelândia. Essa diversidade geográfica e cultural resultou em um patrimônio arquitetônico complexo, que vai desde técnicas construtivas ancestrais até a arquitetura contemporânea de alto desempenho ambiental.
Yasmin Wonstaen
8/5/20255 min ler


1. Arquitetura Tradicional: Conexão com a Terra e os Espíritos
Povos Aborígenes Australianos
A arquitetura dos povos aborígenes da Austrália é marcada por uma profunda relação espiritual com a terra. Ao contrário de outras culturas, sua arquitetura não envolvia construções permanentes, pois o modo de vida era nômade, baseado no respeito ao Dreamtime (Tempo dos Sonhos), que orientava sua ligação com a natureza.
Os abrigos tradicionais, conhecidos como gunyas ou mia-mias, eram feitos com galhos, cascas e folhas, erguidos apenas temporariamente. Já as cavernas com pinturas rupestres em locais como Kakadu e Uluru também são considerados espaços sagrados e arquitetônicos.
Povos Māori (Nova Zelândia)
A cultura Māori possui construções simbólicas e altamente ornamentadas, como o wharenui, a casa de reunião tribal, que representa a genealogia de um ancestral importante. Cada parte do edifício — da cumeeira ao chão — representa partes do corpo do antepassado, transformando o edifício em um ser vivo espiritual.
A decoração inclui entalhes (whakairo) em madeira, tecelagem (raranga) e pinturas geométricas (kowhaiwhai), com forte simbolismo. Esses espaços são fundamentais para rituais, assembleias e festas comunitárias.
Ilhas do Pacífico
Nas ilhas como Fiji, Tonga, Samoa e Palau, as moradias tradicionais — chamadas de bure, fale ou are — são construídas com materiais naturais: madeira leve, palha de coqueiro, bambu e pedra. As construções são elevadas para proteção contra umidade e fauna, e muitas vezes construídas sem pregos, apenas com amarrações.
A estrutura dessas habitações é pensada de forma climática, com ventilação cruzada e proteção contra ciclones, respeitando a orientação solar e a topografia da ilha. A arquitetura tradicional reflete a importância do coletivo e da espiritualidade na vida cotidiana.
2. Arquitetura Colonial: Imposição Estética e Urbanística
Austrália e Nova Zelândia
Com a chegada dos colonizadores britânicos no final do século XVIII, iniciou-se uma transformação profunda nas cidades e paisagens urbanas da região. Cidades como Sydney, Melbourne, Auckland e Wellington passaram a adotar padrões europeus de urbanização e edificação.
Os estilos predominantes foram:
Georgiano: caracterizado por simetria, colunas e cornijas, presente em casas e prédios públicos.
Vitoriano: telhados inclinados, ornamentos metálicos e tijolos aparentes, muito visível em escolas, igrejas e estações ferroviárias.
Eduardiano: com elementos decorativos mais leves, integração de vitrais e jardins.
As construções coloniais não consideravam as condições climáticas locais, nem os saberes construtivos indígenas, resultando em uma arquitetura impositiva, mas que ainda hoje é parte do patrimônio arquitetônico dessas nações.
Nas Ilhas do Pacífico
Durante o colonialismo francês, britânico, alemão e americano, muitas ilhas também sofreram intervenções arquitetônicas. Igrejas católicas, sedes administrativas e escolas missionárias foram erguidas com métodos europeus, muitas vezes com materiais importados, como alvenaria e telhas cerâmicas.
3. Arquitetura Moderna e Contemporânea: Identidade, Paisagem e Sustentabilidade
Austrália
Na Austrália, a arquitetura moderna começou a se desenvolver fortemente após a Segunda Guerra Mundial. Um dos principais nomes é Glenn Murcutt, conhecido por suas residências que dialogam com o clima local, o terreno e os recursos naturais.
Seu lema “Touch the Earth lightly” (toque levemente a terra) reflete a busca por uma arquitetura mínima, eficiente e sensível ao ambiente.
Outros destaques contemporâneos incluem:
Federation Square (Melbourne) – exemplo de arquitetura pública contemporânea que mistura geometria desconstruída e materiais locais.
Barangaroo Reserve (Sydney) – projeto urbano que recupera a herança indígena e paisagística com arquitetura verde.
Nova Zelândia
A arquitetura da Nova Zelândia busca cada vez mais integrar os valores Māori na produção arquitetônica. Projetos institucionais incluem simbolismos culturais e práticas sustentáveis.
Exemplos notáveis:
Museu Te Papa Tongarewa, em Wellington: mistura arquitetura moderna com elementos simbólicos do povo Māori.
Escolas, universidades e centros comunitários incorporam narrativas indígenas em seus projetos arquitetônicos, promovendo representatividade.
Ilhas do Pacífico
As ilhas enfrentam desafios ambientais severos, como elevação do nível do mar, tufões e escassez de recursos. Isso impulsionou uma arquitetura baseada em resiliência climática, como:
Uso de sistemas passivos de ventilação e sombreamento.
Construções elevadas e modulares, que podem ser desmontadas e transportadas.
Programas de arquitetura comunitária que capacitam moradores a reconstruir após desastres naturais, preservando técnicas tradicionais.
4. Desafios e Perspectivas Futuras
A Oceania enfrenta um paradoxo: preservar as heranças arquitetônicas tradicionais diante da pressão da globalização e das mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, surgem oportunidades de inovação com foco em:
Arquitetura sustentável com baixo impacto ambiental.
Integração da cultura indígena nos processos de projeto.
Tecnologia de construção leve e modular, especialmente em regiões remotas.
Arquitetos, urbanistas e comunidades têm se unido em movimentos para descolonizar o espaço construído, reconhecer os direitos dos povos originários sobre a terra e desenvolver soluções adaptadas às necessidades e contextos específicos da Oceania.
Conclusão
A arquitetura da Oceania é uma expressão rica de diversidade, espiritualidade, resiliência e identidade cultural. Vai muito além de edifícios bonitos: é uma forma de diálogo entre o passado e o futuro, entre o ser humano e a natureza. Em um continente-ilha marcado por desafios ambientais e históricos únicos, a arquitetura assume o papel de preservar memórias e reinventar caminhos mais sustentáveis e inclusivos.



















