Patrimônio Cultural e Tombamento: Preservando a Memória e a Identidade Coletiva

A memória de uma sociedade está presente em suas manifestações culturais, edificações, festas, saberes e valores transmitidos entre gerações. Esses elementos constituem o patrimônio cultural, um conjunto de bens que carregam significados simbólicos, históricos e sociais. Proteger esse patrimônio é um dever coletivo, uma vez que ele representa não apenas o passado, mas também a identidade presente e o legado para o futuro. Nesse contexto, o tombamento surge como uma das principais ferramentas de proteção legal e administrativa desses bens. No Brasil, essa prática está fundamentada em uma sólida estrutura jurídica, com órgãos especializados em nível federal, estadual e municipal.

Yasmin Wonstaen

5/27/20254 min ler

O que é Patrimônio Cultural?

Classificação do Patrimônio Cultural

O patrimônio cultural pode ser dividido em material e imaterial:

  • Patrimônio material: compreende os bens tangíveis, como construções históricas, centros urbanos, igrejas, fortalezas, objetos artísticos, documentos, museus, sítios arqueológicos, entre outros.

  • Patrimônio imaterial: refere-se às manifestações culturais intangíveis, como celebrações religiosas, danças, músicas, culinária, línguas, saberes populares e práticas tradicionais.

Essa divisão, contudo, não significa que os dois tipos de patrimônio estejam isolados — muitas vezes, estão interligados. Por exemplo, o samba de roda do Recôncavo Baiano, tombado como patrimônio imaterial, está associado a espaços físicos e instrumentos artesanais, que fazem parte do universo material.

Evolução do Conceito

Tradicionalmente, a noção de patrimônio estava restrita a obras monumentais ou artísticas de valor estético. Com o passar do tempo, a ideia foi ampliada, especialmente após o século XX, com o reconhecimento da importância de elementos culturais cotidianos, saberes populares e tradições orais. Essa evolução foi influenciada por organismos internacionais como a UNESCO, que define o patrimônio como um legado vivo que merece proteção global.

Tombamento: Conceito e Procedimentos

O que é Tombamento?

O tombamento é um ato administrativo que reconhece e protege oficialmente um bem cultural, impedindo sua destruição ou descaracterização. Ele é regulamentado no Brasil pelo Decreto-Lei nº 25/1937, que criou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — atual IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Esse instrumento jurídico estabelece que qualquer bem, público ou privado, que possua valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, etnográfico ou científico pode ser tombado.

Tipos de Tombamento

  • Tombamento individual: voltado para bens isolados, como uma edificação específica, uma escultura ou um acervo documental.

  • Tombamento coletivo ou em conjunto: abrange áreas inteiras, como centros históricos ou bairros tradicionais.

  • Tombamento provisório: ocorre durante o processo de análise, e o bem já passa a receber proteção legal.

  • Tombamento voluntário ou compulsório: o proprietário pode solicitar o tombamento de seu bem, mas, mesmo contra sua vontade, o poder público pode realizá-lo se o bem tiver valor reconhecido.

O Processo de Tombamento

  1. Abertura do processo: iniciada por órgão competente (IPHAN, IEPHA, CONDEPHAAT, ou conselho municipal);

  2. Elaboração de estudo técnico: com análise histórica, artística e social do bem;

  3. Audiência pública e notificação do proprietário;

  4. Análise e parecer técnico-jurídico;

  5. Inscrição no Livro de Tombo: que oficializa o tombamento.

Exemplos de Bens Tombados no Brasil

O Brasil é um país com imensa diversidade cultural e histórica, refletida em seus bens tombados:

  • Centro Histórico de Ouro Preto (MG) – Tombado pelo IPHAN em 1938 e declarado Patrimônio Mundial pela UNESCO em 1980;

  • Pelourinho, em Salvador (BA) – Um dos maiores conjuntos arquitetônicos coloniais da América Latina;

  • Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas (MG) – Conhecido pelas esculturas dos Profetas de Aleijadinho;

  • Festa do Divino Espírito Santo (MA) – Patrimônio imaterial que mantém viva a religiosidade popular;

  • Ofício das Baianas de Acarajé – Representação do patrimônio cultural afro-brasileiro, reconhecido como bem imaterial.

Importância do Tombamento para a Sociedade

O tombamento não apenas protege fisicamente os bens culturais, mas também:

  • Fortalece a identidade cultural: Ao reconhecer e valorizar símbolos de pertencimento coletivo;

  • Promove o desenvolvimento sustentável: Ao integrar políticas de preservação ao planejamento urbano e turístico;

  • Estimula a educação patrimonial: Incentivando a conscientização das novas gerações sobre o valor do patrimônio;

  • Contribui para a economia criativa: Por meio da valorização de práticas culturais e da revitalização de áreas históricas.

Limitações e Desafios

Apesar dos avanços, o tombamento ainda enfrenta dificuldades:

  • Limitações orçamentárias: Muitos bens tombados carecem de manutenção adequada;

  • Desinformação e resistência dos proprietários: Alguns veem o tombamento como impedimento ao uso pleno do imóvel;

  • Burocracia: O processo pode ser lento e complexo;

  • Conflitos urbanos: A especulação imobiliária e o crescimento urbano desordenado muitas vezes ameaçam áreas protegidas.

Instrumentos Complementares ao Tombamento

Além do tombamento, o Brasil dispõe de outros mecanismos para a preservação do patrimônio:

  • Registro de bens imateriais;

  • Inventários de referências culturais (INRC);

  • Educação patrimonial em escolas e comunidades;

  • Ações de incentivo fiscal e financiamento para restauração.

Conclusão

Preservar o patrimônio cultural é proteger não apenas o passado, mas também o presente e o futuro de uma sociedade. O tombamento é uma ferramenta fundamental nesse processo, pois reconhece o valor dos bens culturais e os protege diante das ameaças contemporâneas. Mais do que um ato legal, o tombamento é um compromisso com a memória, a diversidade e a continuidade cultural do país.

A valorização do patrimônio deve ser uma responsabilidade coletiva, envolvendo poder público, instituições, comunidades e indivíduos. Só assim será possível manter vivas as histórias que nos formam, nos unem e nos definem como povo.

Fontes:
https://www.gov.br/turismo/pt-br/assuntos/noticias/patrimonios-da-humanidade-no-brasil-23-lugares-que-todo-mundo-deveria-conhecer
https://www.sabra.org.br/site/diferenca-entre-patrimonio-cultural-material-e-imaterial/#google_vignette
https://www.gov.br/turismo/pt-br/assuntos/noticias/hoje-e-dia-do-frevoc-patrimonio-cultural-imaterial-da-humanidade
https://turismoouropreto.com/blog/por-que-ouro-oreto-se-tornou-patrimonio-cultural-da-humanidade/
https://www.archdaily.com.br/br/1001370/o-pelourinho-em-salvador-da-arquitetura-colonial-ao-olodum
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/46
https://www.brasildefato.com.br/2022/06/07/festa-do-divino-celebracao-crista-que-mostra-a-partilha-e-a-comunhao-em-alcantara-ma/
https://vermelho.org.br/2015/06/09/plataforma-traz-informacao-sobre-oficio-das-baianas-de-acaraje/
https://bhaz.com.br/noticias/bh/pampulha-recebe-o-titulo-de-patrimonio-cultural-da-humanidade